Violência sexual contra crianças desafia rede de proteção no Ceará
29 de outubro de 2025 às 12:33

A cada dia, pelo menos quatro crianças e adolescentes cearenses têm suas vidas marcadas por crimes sexuais. Entre janeiro e setembro de 2025, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) contabilizou 1.096 registros de violência sexual contra menores de 18 anos, o que representa cerca de 75% de todos os casos notificados no estado. A maioria das vítimas, 85%, é formada por meninas, segundo dados oficiais.
Para a juíza Giselli Lima, titular da 12ª Vara Criminal de Fortaleza, o aumento das notificações não indica necessariamente mais crimes, mas uma melhora na articulação entre os órgãos que compõem a rede de enfrentamento. Essa estrutura envolve instituições como Creas, Conselhos Tutelares, Ministério Público, Defensoria Pública e a Rede Aquarela, da Prefeitura de Fortaleza.
Grande parte das agressões ocorre dentro do próprio lar, o que torna a denúncia ainda mais difícil. A magistrada reforça que a conscientização infantil é uma das principais formas de prevenção, permitindo que crianças reconheçam limites e saibam a quem recorrer. “É um tema sensível, mas precisa ser discutido com clareza e técnica para gerar proteção”, afirma.
De acordo com o promotor Paulo Figueiredo Lima, os casos mais comuns são os de estupro de vulnerável, exploração sexual e produção ou compartilhamento de conteúdo pornográfico infantil, inclusive por meio de inteligência artificial, o que já configura crime segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A internet se tornou um dos principais meios de violação. Somente entre janeiro e julho deste ano, a SaferNet Brasil recebeu 49 mil denúncias de abuso e exploração sexual infantil em ambientes digitais, correspondendo a 64% do total nacional no período.
O processo judicial exige cuidados específicos para evitar a revitimização. A legislação prevê o depoimento especial, no qual a criança ou adolescente é ouvido por profissionais capacitados em ambiente acolhedor e separado do agressor. A 12ª Vara Criminal de Fortaleza, por exemplo, mantém estrutura adaptada para esses casos, com salas reservadas e equipes de psicólogos forenses.
Segundo o promotor Dairton Oliveira, o primeiro passo diante de um caso suspeito é garantir a notificação obrigatória. Conselhos Tutelares, escolas e unidades de saúde são orientados a seguir protocolos padronizados, evitando omissões. As denúncias chegam às autoridades por meio de flagrantes, comunicações formais, suspeitas clínicas ou revelações espontâneas feitas pelas próprias vítimas.
Especialistas alertam ainda para o fenômeno da adultização, quando crianças são expostas precocemente a comportamentos e responsabilidades típicos de adultos. Essa distorção cultural, associada à falta de educação sexual nas escolas, torna mais difícil reconhecer e combater abusos.
A psicóloga Alessandra Silva Xavier, professora da Uece, defende a ampliação do debate sobre sexualidade, igualdade de gênero e direitos da infância. “Não se trata de ensinar sexo, mas de ensinar proteção. É uma questão de educação e de justiça social”, explica.
O Fórum DCA Ceará recomenda ações contínuas de capacitação da rede de proteção, ampliação do atendimento psicossocial e maior agilidade nos julgamentos. Para denúncias, a população pode acionar o Disque 100, o Conselho Tutelar, o Ministério Público do Ceará ou a Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente.
Cada relato ouvido é um passo a mais na luta por uma infância livre de medo e marcada pelo direito de crescer com dignidade.
