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Cearenses têm maior influência genética de povos nórdicos do que de índios e negros, revela pesquisa

27 de julho de 2020 às 08:47 - Atualizado em 27/07/2020 08:48

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Uma pesquisa inédita e pioneira no Brasil revelou, por meio de mapeamento genético, qual é a origem do DNA cearense. O estudo “GPS-DNA Origins Ceará” detalha que, na fusão genética da composição do cearense, predominam as influências do branco europeu descendente de países nórdicos. Em seguida, vêm os ameríndios oriundos da Ásia e o negro africano, principalmente do tronco banto.

Ao longo de 10 meses, foram coletadas 160 amostras de saliva de cearenses de todas as regiões do Estado, incluindo grupos étnicos, como indígenas e quilombolas, e algumas personalidades. A pesquisa foi registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e os materiais foram enviados para análise em um laboratório especializado em Ohio, nos Estados Unidos.

Um dos objetivos do estudo era responder à pergunta-chave dos estudos de Parsifal Barroso no livro “O Cearense” (1969). À época, o autor se valeu de documentos e outros registros para construir sua teoria. Agora, mais de 50 anos depois, a tecnologia permitiu uma análise mais profunda das hipóteses.

A ferramenta Geographic Population Structure (GPS) escaneia o DNA e triangula coordenadas geográficas para descobrir onde ele foi forjado e a quais bolsões (agrupamentos) genéticos pertence. O método entende que os bolsões passaram por misturas ao longo da história e tenta combinar a informação genética a um banco de dados de mais de 100 mil assinaturas de DNA.

Segundo o geneticista israelense-americano Eran Elhaik, criador do GPS, o método é preciso e consegue recolocar 83% das populações no mundo de volta a seu país de origem. Luís Sérgio Santos, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenador da pesquisa, explica que os exames das amostras cearenses permitiram a identificação de 28 bolsões.

Dispersão de grupos

Conforme o rastreamento, as regiões que tiveram mais força na identidade cearense foram a chamada Fenoscândia - que abrange Noruega, Suécia, Finlândia e Dinamarca - e o sul da França. Na segunda posição, fica o ameríndio, que provém da Sibéria e entra no novo continente por meio do estreito de Bering, uma ponte natural entre a Rússia e os Estados Unidos.

“A colonização do Brasil veio da Península Ibérica, mas a pesquisa, de certo modo, desconstrói essa tese. Ela mapeia até o ano 400, então é um tempo muito anterior à fundação de Portugal. Os resultados mostram que o branco europeu que colonizou o Brasil era escandinavo, viking, visigodo, e antes disso, alemão. Por serem predadores, destruidores e impassíveis, eles deram um banho genético na Europa”, explica Luís Sérgio.

Uma família que mora no Cumbuco, na Região Metropolitana de Fortaleza, representa bem essa mistura. Thor, de 6 anos, é filho do dinamarquês Peter Aller com a cearense Ana Paula Bertuleza, que acredita ter sangue indígena e negro. “Fisicamente, ele é completamente o pai, mas ele também tem muito um jeito cearense porque gosta de comer farofa e feijão preto e de ir para as dunas”, ri a administradora.

O pai ficou surpreso com o resultado da pesquisa, pois acreditava que portugueses e holandeses seriam os maiores influenciadores no Ceará. “O cruzamento de portugueses e vikings é a origem mais plausível”, considera. Ana Paula emenda: “Dentro de casa, o Thor é dinamarquês, mas do lado de fora é cearense”. O menino pratica kitesurf e, segundo a mãe, não tem medo do mar - provavelmente uma herança dos ancestrais navegadores.

Mas, se o Ceará tem predominância de ancestrais europeus, por que não há tantos cabelos loiros e olhos azuis? Thor, por exemplo, tem olhos castanhos. A resposta, conforme Luís Sérgio Santos, está na força de alguns genes.

“O nosso índio tem uma genética muito forte. Ele ‘dilui’ o branco e cria o pardo. Esse gene ameríndio está em todos nós, em maior ou menor quantidade”, garante.

Heranças

O médico Evangelista Torquato, especialista em reprodução humana e responsável técnico pela pesquisa, considera que o estudo ajuda a responder à velha pergunta “de onde eu vim?” e pode ter aplicações na área médica. “Determinadas comunidades no mundo têm certos tipos de doenças, como judeus e negros. O próprio nordeste cearense tem doenças genéticas mais específicas que estão na nossa ancestralidade”, afirma.

Luís Sérgio Santos acrescenta que, apesar da contribuição histórica na formação do brasileiro, o negro não teve tanta força no Ceará. As maiores influências são de bantos do Congo, na África subsaariana, e de outro povo que habitava a ilha de Madagascar. “Ele faz um fluxo interno no continente africano e acaba chegando por meio da escravidão”, diz.

Uma hipótese para a baixa influência do negro no Estado está na própria leitura de Parsifal Barroso.

“O Ceará demorou muito a ser colonizado e é envolto por serras, o que o autor acha que retardou o processo de colonização. Além disso, nossa mão de obra era mais indígena. Quem cuidava da pecuária eram os índios, e praticamente não tinha agricultura por causa da seca”, conta Luís Sérgio.

Jeovany Férrer, membro da Associação dos Remanescentes de Quilombos de Alto Alegre e Adjacências (Arqua) e mestrando em Antropologia, endossa que a presença negra no Ceará foi diferente de outras capitanias: eles eram mais atuantes nas casas-grandes e em outros termos econômicos. “Há um senso comum de que não há negro no Ceará. Foi uma ideia muito alimentada e que talvez ainda seja exportada, mas que os movimentos quilombolas tentam combater”, reflete.

Mesmo com a suposta pouca presença, avalia, os negros deixaram marcas profundas na linguagem, na religiosidade e na valorização cultural do Estado. “Muitos elementos são acionados para a nossa formação e contribuem para alicerçar essa identidade negra, que passa a ser reelaborada também com afirmação política”, afirma.

Outra que se orgulha das próprias raízes é a Cacique Pequena, liderança dos índios Jenipapo-Kanindé, em Aquiraz. Ela foi uma das cearenses que forneceram amostra para a pesquisa. “A gente tem que lembrar que é índio, que nasceu aqui e não pode deixar de ser, que não pode ser um branco lá de fora. A gente se preserva na dança, nas falas, de geração em geração. Vivemos dentro dessa união, dessa harmonia. E eu venho arrastando o tronco velho do povo que viveu há mil anos atrás”, ressalta a cacique de 74 anos.

Compreensão do passado e do presente

Para Igor Queiroz Barroso, presidente do Conselho Administrativo do Grupo Edson Queiroz e neto de Parsifal Barroso, desvendar a origem do cearense por meio da ciência é uma forma de compreender não só o passado, mas o presente. "A origem vem para você poder revelar, se aproximar da verdade. Será que a caatinga é que forma o cearense? Sou um judeu brasileiro por isso ou por aquilo? Tenho braquicefalia porque venho de determinada raça ou porque durmo na rede? Isso é ciência, trazer respostas através de testes”, pontua.

Além da contribuição científica, a conclusão do estudo é uma realização pessoal para Igor, pois expandiu os horizontes já indicados pelo avô. “A pesquisa retorna 40 mil anos, antes dos nossos colonizadores. Vai muito além do que Parsifal imaginou que se poderia chegar. Estou trazendo a pesquisa do meu avô um pouco mais próxima da verdade, e me sinto feliz por isso”, celebra.

Com informações do G1