Ceará vira exemplo de controle fiscal para os outros estados brasileiros
12 de março de 2018 às 08:08
Um estudo sobre o cenário financeiro estadual, realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) também em 2017, o Ceará aparece mais uma vez com a melhor situação fiscal, levando em conta os gastos com pessoal, a dívida pública, a disponibilidade de caixa e o volume de investimentos, em relação à receita corrente líquida. Ficou também em primeiro lugar na lista dos Estados com o maior volume de investimentos em relação à arrecadação, com índice de 11,1%, o dobro da média nacional.
“A gente tem uma equipe muito focada nessa coisa de controle e de eficiência do gasto”, diz o governador Camilo Santana. “Agora, o mais importante é que, além de ter as contas controladas, o Ceará é o que mais investe, em especial nas áreas de educação, saúde, segurança e na melhoria dos serviços públicos, que é o que a população nos cobra.”
Apesar do progresso recente, o Ceará ainda está bem distante dos polos mais desenvolvidos do País. O salto dado pelo Estado, porém, é notável e pode ser atribuído, em boa medida, à continuidade administrativa e à boa gestão fiscal realizada ao longo de vários governos, ligados a diferentes partidos. Desde o fim dos anos 1980, com o ex-governador Tasso Jereissati, do PSDB, até hoje, com Camilo Santana, do PT, passando pelos irmãos Ciro e Cid Gomes, atualmente no PDT, o Ceará tem mantido, com raros desvios pelo caminho, uma louvável política de gestão. Como, no Brasil, os governos que entram costumam desfazer tudo o que os governos que saem fizeram, independentemente do mérito dos projetos, trata-se de uma conquista e tanto.
Ironicamente, a boa gestão fiscal do Ceará desenrolou-se, quase toda, em governos de esquerda e manteve-se agora no governo do PT, que costuma fazer oposição cerrada à responsabilidade fiscal e defender o aumento sem lastro dos gastos públicos, para alavancar a economia. Não por acaso, Jereissati, hoje senador pelo PSDB, diz que o atual governador “é o mais tucano dos petistas”. “A União, quando tem déficit, pode emitir moeda e títulos públicos, e aprovar uma lei no Congresso para avalizar o resultado negativo”, diz Santana. “Aqui, isso não é possível.”
De acordo com o secretário da Fazenda, Mauro Benevides Filho, que está no cargo desde 2007 e antes foi secretário de Administração e do Planejamento e chefe da Casa Civil em diferentes gestões, a fórmula do sucesso é simples, embora poucos a coloquem em prática no País: maximizar a receita, sem subir impostos, e controlar com rigor os gastos.
Previdência
Em 2016, o Ceará aprovou a sua PEC dos Gastos para limitar as despesas públicas, por um período de cinco anos, em vez dos 20 aprovados pelo governo federal. Além disso, a PEC do Ceará, embalada como Emenda Constitucional do Crescimento Sustentável, estabeleceu o controle das despesas de pessoal e de custeio da máquina administrativa, mas deixou de fora o investimento, a educação e a saúde. O governo do Estado ainda conseguiu aprovar na Assembleia Legislativa a elevação da alíquota previdenciária dos servidores de 11% para 14%, além de ter reduzido os incentivos fiscais e não ter implementado o Refis (programa de refinanciamento de dívidas tributárias), como outros Estados.
Surpreendentemente, o Ceará fez tudo isso sem enfrentar greves de servidores. Na visão de alguns analistas, o governo do Estado, por ser ligado ao PT, conta com a complacência dos chamados “movimentos sociais”. O governo cearense, porém, diz que a razão para a trégua está no “diálogo” mantido com as entidades. “Procuramos mostrar que o ajuste é bom e gera recursos para investimento”, afirma Benevides Filho. Segundo ele, o ajuste fiscal não deve ser um fim em si mesmo. “É fácil parar o investimento, em vez de cortar gastos com pessoal e custeio, mas o investimento é a mola propulsora do crescimento econômico.”
Pente fino
Uma das principais ferramentas usadas pelo governo do Ceará para controlar os gastos é um órgão chamado Comissão de Gestão Fazendária (Cogef), criado em 2005. O Cogef, composto por Benevides Filho e mais quatro secretários de Estado, é o responsável pela aprovação de todas as despesas de custeio da “máquina”. No Ceará, de acordo com ele, os secretários não despacham com o governador para tratar de custeio, mas para definir políticas públicas e investimentos. Ainda assim, a Fazenda só libera os recursos para investimento depois de Santana informar que a ação é prioritária por meio de um sistema batizado de Monitoramento de Ações e Projetos Prioritários (Mapp), que liga os gestores das diferentes áreas do governo em rede.
Para Benevides Filho, foi esse modelo de gestão que permitiu ao Ceará promover um corte significativo nas despesas correntes, que ele prefere chamar de “otimização de gastos”, da ordem de R$ 400 milhões (12% do total) em 2015. Ele afirma que a redução atingiu gastos com energia, combustível, telefonia fixa e móvel e foram complementados pela renegociação de contratos com fornecedores.
Ao mesmo tempo, o Ceará conseguiu aumentar a arrecadação ao promover o corte de impostos, porque a sonegação diminuiu, em outra política que, como o ajuste fiscal, vai contra a pregação tradicional da esquerda no Brasil. O Estado reforçou também a fiscalização, por meio de um sistema que avalia 61 indicadores das empresas e aponta possíveis incongruências nas informações e pagamentos ao Fisco local.
Metas de crescimento
Benevides Filho conta que o Estado reduziu a alíquota de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de vários setores, como alimentação e computadores, em troca da imposição de metas de crescimento nas contribuições das empresas. Aquelas que não cumprem a meta têm de pagar a alíquota original como penalização. Além disso, em setores como o de calçados, que tem 30 mil pontos de varejo, nos quais a fiscalização é mais complicada, a retenção do imposto passou a ser feita pelos grandes distribuidores, que não chegam a meia dúzia.
Com o ajuste feito nas contas públicas e o rigor fiscal praticado em vários governos e pela atual gestão, o Ceará conseguiu alcançar uma posição de destaque entre os Estados – muitos dos quais estão “quebrados” ou em situação pré-falimentar. Em meio à resistência a controlar os gastos, o Estado mostra que, independentemente da ideologia dos governantes, a responsabilidade fiscal traz benefícios palpáveis para a população.