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55% dos professores de ensino infantil defendem aulas remotas como “solução meio-termo” na pandemia

10 de maio de 2021 às 09:00

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Um dos setores com mais impactos negativos na pandemia de Covid-19 no Ceará tem sido a Educação. As desigualdades sociais refletem num ensino remoto deficiente para muitos. Apesar disso, 55% dos professores do Ensino Fundamental defendem o formato como “solução meio-termo” para manter vínculo aluno-escola.

 

 

Para 44,6% dos docentes, as aulas remotas são “uma boa solução”, mesmo sob a constatação de que “não atingem, de modo integral, os objetivos escolares”. Outros 17% afirmaram que a modalidade “não atinge os objetivos”.

 

 

Os dados são da pesquisa “Alfabetização em Rede”, que avalia o ensino remoto na alfabetização durante a crise sanitária. O levantamento foi realizado por um grupo de 117 pesquisadores de 28 universidades do País, incluindo dez estudiosos da Universidade Federal do Ceará (UFC).

 

 

O Ceará está entre os 18 estados do Brasil em que o formulário circulou, e integra o grupo de cinco localidades onde mais de mil professores participaram, compartilhando impressões e vivências em tempos de pandemia. Do total de entrevistados, 18% são daqui.

 

 

ATIVIDADES SÃO MAIOR DESAFIO

 

 

Mais de cinco a cada dez docentes consultados (57%) apontaram a realização das atividades propostas como “o maior desafio do trabalho remoto com a alfabetização”. Um terço deles (33%) afirma ter “pouco retorno dos alunos” em relação ao conteúdo que propõe, fator também influenciado pelas condições familiares.

 

 

Luciene estima que, em algumas turmas, a abstenção é de até 60%. Ou seja, a cada dez alunos, só quatro aparecem nas aulas. Em outras, como a dela, a presença varia de 70% a até 99%. As dificuldades financeiras e estruturais dos lares, cuja renda foi impactada pela pandemia, também incidem diretamente sobre o problema.

 

 

A maioria das crianças tem internet fraca, o celular cai a ligação na hora da atividade. Não têm local adequado pra estudar. Eu vejo todo o movimento da casa, a mãe na cozinha, o cachorro latindo.

 

 

O resultado, revela a professora, é que, “numa sala com 27 crianças, por exemplo, tenho as que estão lendo fluentemente e tem outras que não conhecem as sílabas, não completam o próprio nome”, lamenta.

DESIGUALDADE DE CONEXÃO

A dona de casa Jorgiana de Oliveira Alves, 34, tem se desdobrado para ajudar os filhos Jorge Miguel, 7, e João Vitor, 5, no período de alfabetização. Ela chega a assistir às aulas para conseguir repassar o conteúdo aos meninos, já que parou de estudar na 7ª série do Ensino Fundamental.

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Todos os dias eu pergunto o que foi que eles aprenderam, faço as tarefas, vejo as apostilas. Estou ajudando da forma que eu sei”, diz. A dona de casa lembra que juntou parte do dinheiro do auxílio emergencial que recebeu em 2020 para comprar um tablet simples para os meninos estudarem em casa.

 

 

 

 

 

 

Antes disso, as dificuldades para acompanhar o ensino remoto eram ainda maiores. “Não tinha como enviar a atividade pra professora dizer que tava certo ou errado, meu celular não tinha internet, não é daqueles digitais”.

 

 

Jorgiana garante, por outro lado, que Jorge e João demonstram interesse pela escola e pelas atividades, e que percebe evolução no aprendizado dos meninos. “Na escola, é totalmente diferente de aprender em casa, mas tá dando para desenrolar. Se eles têm dúvida, eu ligo para a professora, ela me explica e eu vou explicar para eles”.

 

 

Apesar de toda a energia e o esforço necessários para proporcionar um ensino remoto estável aos filhos, Jorgiana não pretende levá-los à escola mesmo quando as aulas presenciais forem liberadas para a rede pública.

 

 

 

 

“MELHOR QUE ESTEJAM VIVAS”

 

 

Tânia Serra Azul, pós-doutora em Educação e professora do Centro de Educação da Universidade Estadual do Ceará (Uece), avalia que “os impactos das aulas remotas são bem negativos, no sentido de que uma criança em processo de alfabetização necessita de especificidades e similaridades que só a escola consegue fornecer”.

 

 

A docente cita as perdas de sociabilidade como significativas para o aprendizado. “A alfabetização exige técnicas, estratégias pedagógicas, interações e vivências com a imersão na cultura escrita que dificilmente consegue ter no formato remoto”, frisa.
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Por outro lado, Tânia destaca que retornar as crianças à escola no atual cenário seria enviá-las a um espaço “desconhecido”, igualmente restrito. “Elas continuam sem poder interagir, se aproximar da professora, dos colegas, folhear os livros, participar de rodas de conversa”, lista.

 

 

A professora também é enfática ao afirmar que o momento é, sim, de excepcionalidade, e que “todo esse dano à alfabetização é plenamente recuperável pelas crianças”. “É muito melhor que elas estejam em casa vivas do que se sujeitando a ir à escola, contaminando a si e a seus parentes”.

 

 

O pensamento é compartilhado por Verônica Bezerra, especialista em Educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que reforça a importância de garantir as práticas e vivências da alfabetização “mesmo que a escola esteja funcionando em outro formato”.

 

 

Para as crianças de 1º e 2º anos do Ensino Fundamental, no cotidiano escolar é que se começa a aprender a ser estudante. Não se aprende apenas a ler e a escrever, mas a própria organização, a trabalhar em grupo.

 

 

Verônica lança luz sobre os esforços de pais e professores para garantir esse aprendizado aos pequenos, ainda que sob a complexidade dos tempos de pandemia – quando questões financeiras, habitacionais e emocionais entram em jogo.

 

 

As possibilidades se multiplicaram, pelo mundo virtual, mas, ao mesmo tempo, existe ainda muita falta de acesso. Muitas famílias, mesmo o governo oferecendo o chip, não dispõem do celular. Tudo ainda se constitui como um desafio imenso”, pondera.

 

 

5 milhões de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos não tinham acesso à educação no Brasil, em novembro de 2020, segundo estudo do Unicef. Quase metade tinha de 6 a 10 anos.

 

 

“FAZEMOS O POSSÍVEL E O IMPOSSÍVEL”

 

 

Para quem tem a educação como ofício e missão, a dificuldade dobra. Luciene, professora da rede municipal, revela que “não tem mais dia nem hora de folga”. A conexão em tempo integral borrou completamente os limites da carga horária de trabalho.

 

 

Eu trabalhava na escola de 7h às 11h, de 13h às 17h. Hoje, trabalho 12h, 18h, sábado, domingo. Porque o pai da criança chega em casa com o celular e eu vou ter que explicar a tarefa, ver se a criança fez correta”, descreve.

 

 

A dedicação máxima é definida por ela mesma: “a gente tá fazendo o possível e o impossível”. “A gente atende na hora que o pai pode ou quer, pra ver se a gente traz essas crianças pra perto. Precisamos mostrar aos pais a importância de estudar, mesmo nesse momento.”

 

 

DESIGUALDADE DE CONEXÃO

 

 

A dona de casa Jorgiana de Oliveira Alves, 34, tem se desdobrado para ajudar os filhos Jorge Miguel, 7, e João Vitor, 5, no período de alfabetização. Ela chega a assistir às aulas para conseguir repassar o conteúdo aos meninos, já que parou de estudar na 7ª série do Ensino Fundamental.

 

 

O número é ilustrado, na prática, pela professora Luciene Oliveira, que leciona no 2º ano do Ensino Fundamental de uma escola municipal da periferia de Fortaleza. “Alguns pais foram apenas receber o material na escola, mas os alunos não fizeram. Tem pai que fica do lado, ajudando. Outros dizem que não têm paciência ou saem do grupo”, pontua.
Com informações do Diário do Nordeste