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Ligação do Estádio Nacional com ditadura ganha destaque durante Copa América

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Nelson Sandoval Díaz. Santiago (Chile), 1 jul (EFE).- O Estádio Nacional, em Santiago, que no sábado será sede da final da Copa América, entre Chile e Argentina, tem uma longa trajetória de eventos esportivos e festas musicais desde sua inauguração, em 1938, mas seus corredores, arquibancada e vestiários guardam também uma história fúnebre, que tenta sair do esquecimento e ganhar destaque. "O esquecimento está cheio de memória", diz um verso do escritor uruguaio Mario Benedetti reproduzido em locais do território chileno que foram usados como prisões, centros de tortura ou campos de extermínio. O estádio Nacional caminha também para ser um local a ser lembrado. Em 1973, o Nacional foi a prisão de mais de 40 mil pessoas, chilenas e de outras 38 nacionalidades, muitas das quais sofreram a tortura e não poucos a morte a mãos dos subordinados do ditador Augusto Pinochet. Em 26 de junho, em ocasião do Dia Internacional de Apoio às Vítimas da Tortura, a diretora do Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH), Lorena Fries, pediu ao estado chileno que resolva suas dívidas nesse assunto. "É uma vergonha que veículos como a 'BBC' e 'The Times' tenham lembrado que o Estádio Nacional foi um lugar onde chilenos e estrangeiros foram torturados e no Chile não tenhamos feito referência alguma a respeito", destacou Lorena. De acordo com dados oficiais, aproximadamente 33 mil chilenos foram torturados por causas políticas durante a ditadura (1973-1990), período em que cerca de 3,2 mil pessoas morreram a mãos de agentes do Estado, dos que 1.192 figuram ainda como desaparecidos. Segundo relatos da época, em 13 de setembro de 1973, dois dias depois do golpe militar liderado por Pinochet e da morte de Salvador Allende, os presos começaram a ser levados ao estádio. Em 22 de setembro desse ano, em sua primeira visita ao local, a Cruz Vermelha constatou que havia cerca de 7 mil detidos entre homens e mulheres, dos quais aproximadamente 300 eram estrangeiros Entre eles, havia argentinos, brasileiros, uruguaios, peruanos, equatorianos e bolivianos, cujas seleções participaram desta Copa América. Os prisioneiros dormiam nos vestiários e não tinham camas, com exceção das mulheres, que dispunham de colchonetes estendidas no chão e eram proibidas de receber visitas de familiares ou advogados, que só podiam entregar roupa ou alimentos na porta. Eles passavam o tempo sentados nas arquibancadas e pelos alto-falantes muitos eram chamados ao meio do campo para serem levados a interrogatórios no velódromo e em outros setores, em sessões que incluíam golpes, aplicação de eletricidade, imersões em grandes vasos com água imunda e até fuzilamento. Entre os executados no estádio estão os jornalistas americanos Frank Teruggi e Charles Horman. A história deste último inclusive inspirou posteriormente o filme "Missing - Desaparecido", de Costa-Gavras. "Os detidos se queixaram de maus tratos e de torturas. Os delegados e médicos do CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha), puderam constatar evidências de torturas psicológicas e físicas em muitos detidos", assinalou um relatório da instituição. Em 1973, durante as Eliminatórias para a Copa do Mundo do ano seguinte, o Chile teve a União Soviética como adversária na repescagem e obteve um empate em 0 a 0 em Moscou na partida de ida. Contudo, os soviéticos se recusaram a viajar para Santiago para a volta devido ao golpe. Apesar disso, a Fifa programou o jogo, e a ditadura se apressou em desocupar o estádio de prisioneiros. Em 21 de novembro, na presença de dois altos dirigentes da entidade, o brasileiro Abilio D'Almeida e o suíço Helmuth Kaeser, foi encenado o triunfo do Chile por W.O. Alguns jogadores exigiram e conseguiram a libertação de Hugo Lepe, meio-campista de' La Roja' na Copa do Mundo de 1962 e preso no estádio, e só nessas condições aceitaram participar da partida simbólica, que terminou com um gol simbólico do Chile. Para que a torcida fosse ao Nacional, foi programado um amistoso contra o Santos, de Carlos Alberto Torres e dirigido por Pepe, que atropelou a seleção local com uma goleada por 5 a 0. O episódio é lembrado como "o dia em que o Peixe humilhou Pinochet". A recuperação do estádio como lugar de memória foi administrada pelo Programa de Direitos Humanos do Ministério do Interior e pela ONG Regional Metropolitana de ex-presas e presos políticos. O primeiro passo foi dado em 2003, quando o local foi declarado Monumento Histórico. Oito espaços específicos, entre eles alguns vestiários, arquibancadas, túneis e corredores, foram designados lugares com proteção especial por terem relação direta com a prisão. Os espectadores da Copa América puderam observar na arquibancada norte do Nacional uma seção que não foi incluída na remodelação do estádio, iluminada e sem público, que conserva os antigos tabuões de 1973, em cuja parte superior se lê um cartaz que diz "Um povo sem memória é um povo sem futuro". "As iniciativas não pretendem alterar o uso do estádio, mas acrescentar uma missão educativa e de memória a suas naturais funções esportivas", de acordo com a ONG de ex-presos. "É necessário que as novas gerações conheçam esses graves episódios de nossa história para que no futuro impeçam que fatos tão dolorosos se repitam", acrescentou a organização. EFE ns/dr (fotos)

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