Famosos e TV Entre a fofura e o choro: programas como MasterChef Júnior podem expor crianças a pressão excessiva

Entre a fofura e o choro: programas como MasterChef Júnior podem expor crianças a pressão excessiva

Episódios recentes mostram que o trabalho infantil na TV ainda deve gerar muita discussão

  • Famosos e TV | Do R7

Pequeno participante chora em estreia de MasterChef Junior

Pequeno participante chora em estreia de MasterChef Junior

Reprodução

Nesta última terça-feira (20), a versão kids do MasterChef estreou na Band. O reality de culinária mirim começou com 20 crianças pilotando fogão como adultos e já teve seis eliminados, sendo que alguns não seguraram o choro. As lágrimas também apareceram em alguns momentos das provas, o que levantou questionamentos sobre a preparação emocional dos pequenos participantes.

Como verdadeiros chefs, os cozinheiros mirins trabalham com facas afiadas, descascadores de legumes, líquidificadores e outros eletrodomésticos cortantes, além de forno e fogão. Ou seja, não vale a regra repetida por pais de que cozinha não é lugar de crianças.

Quem vencer a competição leva uma viagem para a Disney com cinco acompanhantes, um curso de culinária, um vale compras em uma rede de supermercados e um kit de eletrodomésticos.

Em entrevista ao R7, o professor Plinio Maciel Júnior, do curso de psicologia da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da PUC (Pontifícia Universidade Católica), em São Paulo, explica um pouco sobre o que acontece quando as crianças são submetidas a competições, com seus prós e contras.

— Nós podemos ver o reflexo de uma sociedade que é competitiva. As crianças aprendem a competir por meio de jogos e brincadeiras. Por intermédio deles, elas aprendem a importância da cooperação e da habilidade de negociação. Ajudam a desenvolver o senso de moralidade, o julgamento do que é certo e do que é errado, de perceber quando as regras são arbitrárias, mas isso é mais fácil quando ocorre entre crianças em mesma condição de desenvolvimento da realidade. Inserir isso no universo do adulto, com viés mercadológico, pode gerar um tipo de pressão muito grande. A criança tem sensibilidade para perceber isso e pode desenvolver uma ansiedade com implicações futuras.

Keila Jimenez: Fofas? Eu tenho medo das crianças do ‘MasterChef Júnior’

Para proteger as crianças, a Band aposta em uma versão mais light da competição. Para evitar o constrangimento e a frustração da eliminação, dois competidores por vez deixarão as próximas etapas em vez de apenas um, como acontecia na versão adulta. O programa já foi produzido em mais de 22 países e os jurados estão mais “bonzinhos”. No entanto, Plínio fala de uma questão difícil de controlar que é a superexposição da mídia.

— A gente precisa pensar em como as pessoas reagem à celebridade em nosso País. É um assédio muito grande, a pessoa mal consegue andar na rua. Para as crianças lidarem com isso é muito complicado. Requer habilidades que são difíceis até para o adulto. Ela precisa distinguir o que as pessoas esperam dela, solicitam dela, por causa dessa imagem na TV, praticamente um personagem. A imagem dela na televisão não é o que ela é no dia a dia. 

O especialista em psicologia infantil da PUC explica que as crianças têm fases diferentes de desenvolvimento e, portanto, suas habilidades cognitivas também diferem. Quando uma criança aparece nas telinhas é necessário levar tudo isso em conta. 

No caso do MasterChef Júnior, a Band informa que os participantes são acompanhados por responsáveis o tempo inteiro e recebem orientação sobre o uso adequado dos utensilhos do programa. 

Desde o princípio

Não é de hoje que os pequenos encantam o público nos meios de comunicação e manifestações artísticas como TV, teatro, cinema e dança. Estão aí Drew Barrymore, Bruna Marquezine e Maísa Silva para provar. No entanto, nunca sua presença foi tão discutida como atualmente.

A televisão brasileira estreou, em 1950, com a ajuda de uma menininha de seis anos, a atriz Sonia Maria Dorce, que trabalhou na TV Tupi até sua adolescência. Ela apareceu para os primeiros telespectadores dizendo que a TV estava no ar. Shirley Temple também ganhou um Oscar aos seis anos, prêmio mais popular do cinema.

Falabella e ator protestam contra veto

Falabella e ator protestam contra veto

Leo Franco/AgNews

Proibição e direito da criança

Recentemente, os apresentadores mirins do Bom Dia & Cia, do SBT, Matheus Ueta e Ana Julia, de 11 e 8 anos, foram proibidos pela Justiça de apresentar o programa por conta da extensa jornada de trabalho. A emissora conseguiu regularizar a situação e a dupla agora divide as manhãs com Silvia Abravanel, filha número 2 de Silvio Santos. 

Eduardo Tomazevicius, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, diz que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê possibilidade de “profissionalização” para o adolescente, mas que a questão é tênue.

— O trabalho infantil é proibido. A situação é limítrofe. Uma coisa é a criança participar de um programa uma vez por semana, outra é trabalhar todo dia. Isso é exploração da atividade econômica. Existe um princípio jurídico por trás de todas essas questões que é o melhor interesse da criança. Por causa desse princípio, quando a Justiça analisa esses casos, ela pesa todos os interesses envolvidos e o da criança deve prevalecer.

Na pré-estreia do espetáculo teatral Memórias de um Gigolô, de Miguel Falabella, em julho deste ano, no Rio de Janeiro, o público presente se espantou com um protesto promovido por Falabella. Dois atores mirins, de 13 e dez anos, apareceram com as bocas seladas com fitas adesivas. Elas foram proibidas de participar da peça por “linguagem inadequada”. 

Um caso mais antigo, em 2010, aconteceu no musical O Despertar da Primavera, em que a protagonista, Malu Rodrigues, na época com 16 anos, foi proibida de mostrar o seio no palco, mesmo sendo emancipada. Tomazevicius explica o que é levado em consideração nesses casos.

— A criança e o adolescente são pessoas em formação e todo ser humano tem o direito de desenvolver plenamente sua personalidade. É no período da infância e da adolescência que formamos os principais traços da nossa identidade. A emancipação é em relação a capacidade de realizar negócios, mas para o direito da criança, o emancipado continua protegido, por exemplo, da exposição a assuntos sexuais. É uma lei de 1990, evidente que está tudo muito mais banalizado hoje, mas ainda é a lei vigente.

O especialista diz que todos os aspectos envolvidos são levados em consideração na hora do juiz avaliar o caso. A opinião dos pais é importante, assim como o próprio desejo da criança em se desenvolver como artista, como nos casos dos atores e apresentadores, ou como cozinheiros, no exemplo do MasterChef

O telespectador que se sente incomodado com essas situações tem direito a opinião, mas não pode agir por conta própria na esfera jurídica.

— Quem faz isso é o Ministério Público, mas nada impede o público de cobrar essa fiscalização do MP. O telespectador não pode litigar o direito alheio. É impossível para o Ministério Público fiscalizar a sociedade como um todo, mas, quando o tema aparece na imprensa, que é a guardiã da moralidade pública, e as pessoas cobram isso também, o MP vai conferir.

Últimas